segunda-feira, 4 de junho de 2012

A magia dos quadrinhos antigos


Não se trata só de nostalgia, os quadrinhos antigos tratam de uma época em que a neurose ainda era tratada como doença, não como uma pandemia. Mas não pensem que são estorinhas inocentes, não senhor! Aquelas páginas eram cheias de duplo sentido, não para fazer os mais pudorosos corarem, mas para que os pais pudessem rir com seus filhos, sem precisar explicar a parte picante que só adultos enxergam. Esqueçam a malícia pobre dos adolescentes de hoje, eles só sabem da vida a superfície, nenhum deles dá aula do que preste... e levam banho dos malandros de verdade.

Aqueles quadrinhos eram feitos por adultos, quase sempre pais de família, que começaram a vida amargando dificuldades para começar a viver dos desenhos, então eles sabiam o que estavam fazendo e até onde podiam ir. A propaganda patriótica, às vezes descambando para a patriotada, era visível, mas sem a agressividade das propagandas oficiais, especialmente durante a segunda guerra. O casal, criado por Larry Whittington em 1922, passou a dividir a vida em quadrinhos com a menina Nancy e sua turma, criação da cabeça lesada de Ernie Brushmiller, que nos atazanou de 23 de Agosto de 1905, até 15 de Agosto de 1982. Era para serem participações especiais, mas rapidamente as duas se entrosaram e tornaram-se inseparáveis. O desfile de moda, que foi a duração dos quadrinhos de Ernie, é um pequeno curso de cultura cotidiana. As aventuras deles estão nos sêbos, nas páginas da revista Tip Topper.


O interessante para nós aqui, nestes quadrinhos, é não só rir, mas também observar padrões estéticos e comportamentais de época. Se formos filtrar e fazer as devidas adaptações, os costumes não mudaram tanto assim. Em muitas situações, para o entendimento dos adultos, a homossexualidade e a emancipação feminina são colocadas com sutileza, mas de forma clara e inequívoca. Muitas meninas dos anos quarenta e cinqüenta, se inspiraram na morenaça Fritzi, que dos anos vinte ao início dos cinqüenta nunca se casou com o namorado. Mas nada de promiscuidade, foi só um, firme, e que em nada atendia aos padrões do galã de cinema!

Também citemos a famosa Luluzinha, nada a ver com o mangá tosco que temos por aqui. A menina nasceu pelos traços de Marjorier Henderson Buell, a Marge, que esteve entre nós de 11 de Dezembro de 1904 até 30 de maio de 1993. Foi um dos primeiros quadrinhos a mostrar que as crianças até são ingênuas, por falta de experiência, mas nada têm de inocentes, não mesmo! Luluzinha apareceu por volta de 1935 e está na activa até hoje, quase sempre em reprises. Com linhas simples, um colírio para um mundo que vive lendo telas luminosas de computadores e outras tralhas cibernéticas, Luluzinha mostra de forma resumida a moda e a memorabilia dos anos quarenta e início de cinqüenta, principalmente.


Nascida em 8 de Setembro de 1930, com o mundo ainda amargando a falta de rédeas de que os bancos tinham, e voltaram a usufruir, Blondie foi criada por Chic Young, que a passou para seu filho Dean Young, que fundou uma sociedade secreta para preservar a identidade da criação de seu pai, e assim repassar sem medo para seus sucessores: Jim Raymond, Mike Gersher, Denis Lebrun e Jhon Marshall, o que porta a maldição dos Young. Claro que vocês não leram isto e não sabem que a sociedade secreta existe, ou eu teria que matar cada um de vocês. Ao contrário das anteriores, Blond tem o imenso mérito de ter se actualizado com o passar dos anos, pelo simples facto de que tem tiras diárias até hoje, proporcionando ao pesquisador atento, uma clara noção das mudanças pelas quais o mundo passou nestes quase oitenta e e dois anos de união, setenta e nove de casamento. Blondie é dona de casa por vocação, casada com o desastrado Dagwood, mas nos quadrinhos recentes virou sócia em uma doceria com sua amiga Cora.


Por último, mas não menos importante, também recomendo Archie. Talvez o mais bem sicedido dos quatro. Nascido em Novembro de 1939, quando a Eurpa estava quebrando o pau e os Estados Unidos prestes a entrar na guerra, começou com tiras desenhadas por Maurice Coyne, Louis Silberkleit e John L Goldwater, que fundaram a MLJ magazines para a empreitada. A turma de Archie é mais focada na juventude e, como Blondie, vem acompanhando toda as mudanças decorridas nestes setenta e dois anos. É, aliás, a revista que começa a abordar com mais ênfase a diferenciação de costumes e modas entre jovens e adultos. É um acervo rico para quem souber explorar.


O lado bom desses quadrinhos, é abordarem a parte cotidiana dos americanos, sem os ranços e as torpezas que os anos deveriam ter enterrado, mas infelizmente foram ressuscitadas por radicais de política necromante. O sopro de épocas em que havia esperança, e em que depressão era tratada por analistas e não pela saúde pública, pode ser facilmente aspirado por quem se permitir alguns minutos diários de leitura, admiração e estudos.

A composição de um bom figurino é facilitada pela leitura detalhada dos quadrinhos de época, simplesmente porque eles foram feitos na dita época. À parte alguns exageros e rebuscamentos de estilo, típico de quadrinhos humorísticos, eles podem dar boas idéias até de customização de peças contemporâneas, para que ganhem toques de determinada década. O hábito da leitura de revistas de época, pode levar os mais atentos a um grau de refinamento muito grande, em que o leitor passa a criar em vez de simplesmente copiar um desenho de época, resultando em roupas e objectos facilmente reconhecíveis, mas originais.

Para ver mais sobre:
Blondie, clique aqui.
Os Archies, clique aqui
Fritzi Ritz, clique aqui.

Eis aqui alguns blogs e websites  de ilustrações e quadrinhos de época, todos com disponibilidade gratuita de seu acervo, alguns com longas listas de links para outros do gênero:
Today's Inspiration.

2 comentários:

  1. Fabuloso post Nanael !

    Excelente pesquisa e valeu pelos links !

    É sempre agradável ler um blog como este seu, manejas muito bem a palavra, em tempos de internetês isso é ótimo !

    ResponderExcluir