Diz o ditado, "Mais vale uma vontade do que um caminhão de abóbora". Não rima, mas ilustra muito bem a vida da jovem americana Doris Mayday. Desde os treze, quando comprou um vestido retrô cinqüentista, que é fascinada pela décda de cinqüenta, especialmente o segundo terço dela, que simplesmente rege a sua vida. A partir dos dezesseis, ela simplesmente saiu do armário e se assumiu cinqüentista em público... Um escândalo! Se dando o direito de viver como quer, Doris transformou sua própria casa em uma bolha cinqüentista, desde a decoração, rádio, televisão, mobília, até sua indumentaria, passando pela maquiagem e até mesmo o carro, um lindíssimo Bel Air conversível ano 1955. Nenhum carro incorpora melhor o apogeu dos anos dourados, do que um Bel Air.
A obsessão chega ao ponto de ela vestir sacolas plásticas, para vestir os pés no rigoroso inverno, a utilizar os sapatos de neve modernos. Prefere sentir dor, com o frio, a perder a classe. É com roupas da década que ela circula por Pasadena, na Califórnia. Seu namorado, que também é adepto do estilo de época, considera um exagero, até meio constrangedor vê-la saindo de sacola nos pés. Seus lugares preferidos, claro, são os que já existiam na época, e os estabelecimentos com decoração retrô. A moça é freqüentadora de feiras e eventos vintage, onde encontra o seu mundo fora de casa.
Como não poderia deixar de ser, as revistas especializadas também a enxergaram como a The Pin Up Magazine, aqui, para a qual fez poses e foi estampada em páginas inteiras. São coisas que ainda não temos no Brasil, não com o profissionalismo dos americanos. A obsessão pelos anos cinqüenta, diga-se de passagem, é algo muito comum entre os americanos. Foi a época em que o país parecia estar no caminho certo, e em que o americano típico, tido como um caipira metropolitano, tentou pela primeira vez, e com mais esforço, ser um povo gentil. É por isso que a estética já bastante refinada da época, lhes parece tão mais bela e está tão arraigada no subconsciente nacional.
Voltando à bela... Ao contrário da maioria, que apenas gosta e brinca de vez em quando de anos cinqüenta, ela vive a época vinte e quatro horas por dia, rejeitando em sua intimidade, praticamente qualquer conforto inexistente quando então. e ela vive bem. Colecionadora de objectos da época, ela os utiliza no seu cotidiano, normalmente, como equipamento doméstico. Um exagero, diria a maioria, mas o esmero e a naturalidade criaram um mundo autêntico. Quem viveu a época e vê Doris, a reconhece facilmente como elemento de época. Tudo em sua casa é resultado de pesquisa séria e muita paciência, algo raro em alguém tão jovem. Afinal, ela está vivendo à sua maneira, sendo ela mesma, autêntica, pagando o preço de sua autenticidade e abominando qualquer imposição da moda; vocês não adorariam que suas filhas fizessem isso? Então! A vida que leva é mais cara, mas ela mesma se viabiliza, Doris é modelo vintage. Como pode ser visto em seu ficheiro no Model Mayhem, aqui, ela se vale de seus 64kg, distribuídos em 1,73m para ser ela mesma, e ser paga para isso. E ainda pode usar sua casa como cenário. Na coluna à esquerda de sua ficha, com seus detalhes, ela deixa claro que não faz nus. As medidas podem parecer ridículas, para a apologia à anorexia que permeia a imprensa da moda, mas aspecto saudável faz parte dos padrões estéticos da época. Ainda mais para o estilo "mulher comum", que ela encarna com perfeição, como se tivesse sido congelada em 1955 e reanimada nestes anos dez. Há uma entrevista detalhada com ela, no Engaging Reality, aqui, feita depois que ela foi mostrada no programa My Crazy Obsession, em cujo auditório vestia um encantador vestido estampado, cor de rosa, e usava uma delicada rede azul no cabelo.
Uma lição nós podemos tirar, da iniciativa de Doris, é sim possível viver neste mundo sem ser falso. Ela ouviu críticas, muitas críticas, a maioria fruto de puro preconceito. Mas viver a América em sua época mais esplendorosa, e em que ao mesmo tempo começara a acordar para o mundo, com todas as dificuldades comparativas ao mundo moderno, é uma atitude de respeito consigo mesma. Acreditar e não viver, já dizia o profeta, é desonesto. Este era o espírito que movia o mundo da época.
Houve
época em que imagem em 3D era truque de óculos coloridos de cinemas, que
praticamente não existiam no Brasil. Época em que cinema levado à sério, era só
em preto e branco, cinema em cores era para anúncios comerciais ou para desenho
animado. Nessa época, a mídia era escrita ou sonora, nada além disso.
Se
aos mais jovens, que nasceram filmados pela câmera de um celular, este cenário
parece aterrador, para a época era um grande feito tecnológico. Na realidade,
muito desta época ainda persiste. Apesar de todas as ameaças, o rádio vive,
vigora e ainda prospera.
Mas,
ao contrário de hoje, até os anos sessenta ele era quase onipresente nos lares
brasileiros. Antes de ser quase que só importado, feito por mão-de-obra
semiescrava, aparelhos Admiral, Crosley, Philips, Philco, Motoradio, Cineral e outros,
se encarregavam de comunicar, informar e entreter o público. Vocês não imaginam
o espetáculo que é um Motoradio de sete faixas, ele consegue captar com som
cristalino, praticamente qualquer estação de rádio de qualquer parte do mundo;
já ouvi conversas e músicas em árabe e até japonês, em um desses. E, diga-se de passagem, a transmissão chegava cristalina como muitos sons modernos não conseguem de estações de dentro da cidade. Ainda hoje se fabrica o aparelho, vale à pena ter um.
Assim
como os computadores, o rádio nasceu valvulado. Era interessante ligar um,
porque as válvulas são como lâmpadas incandescentes, elas iluminam e esquentam
muito. Ao contrário dos rádios transistorizados, os valvulados demoram um pouco
para funcionar, porque precisam ficar quentes, igual ferro de passar roupa. No
verão ficava-se mais distante, no frio ia todo mundo para junto do rádio. Em
algumas regiões, as válvulas eram chamadas de velas; como em Goiás.
Claro
que o consumo de energia é tão grande quanto o calor gerado. Tanto que os
primeiros rádios automotivos, também valvulados e muito caros, não podiam ficar
ligados se o motor também não estivesse, sob o risco de se perder a bateria. Se
ela perder mais de um terço da carga, há o risco de nunca mais funcionar
direito. Eram acessórios opcionais dos carros mais caros, como Buick, Cadillac
e Lincoln. Mas também, na época, tamanho era documento; rádio grande, consumo grande, mas também alcance grande e som mais limpo.
Eu
me lembro desses rádios, não os automotivos, praticamente só existentes nos
Estados Unidos, mas convivi com os domésticos. Peças muitas vezes belíssimas,
que agradavam mesmo quando desligadas. Por isso mesmo havia mais cuidado estético, na hora de comprar, afinal era algo a ser apresentado às visitas, e que os donos da casa veriam facilmente todos os dias.
Por
precisarem ser bem grandes e pesados, acabavam servindo de mobília estética.
Por isso eram feitos de madeira bem trabalhada, geralmente serviço de
carpintaria, com as telas feitas de tecidos bonitos e resistentes, que ficavam
iluminadas assim que o rádio esquentava. Um espetáculo. Caro, mas um
espetáculo.
Foram
décadas para com o surgimento da transmissão digital, se conseguir igualar a
qualidade sonora de um bom rádio à válvula, embora nem sempre a qualidade se
mantenha... Lembrem-se, pelo baixo custo a qualquer custo, muitas marcas se
recusam a saber sob que condições suas encomendas são fabricadas. Não se pode
pedir que um funcionário maltratado faça um serviço perfeito.
O
ponto fraco de um rádio valvulado, é justo a fonte de sua maior virtude; as
válvulas. Por esquentarem muito, acabavam trabalhando como um fusível, que se
queima quando passa energia demais. Os mais abastados tinham estoques de
válvulas em casa, pois seus aparelhos acabavam ficando ligados o dia todo, por
tabela seus componentes duravam pouco. Mas o rádio em si, que tem bem mais
componentes do que as válvulas, é conhecido também pela sua durabilidade, que
costuma ser maior do que a de seus proprietários.
Mas
mesmo sendo relativamente caro, se comparado às porcarias feitas para não terem
conserto, o rádio de válvulas foi um democrata. Havia desde os (relativamente)
portáteis, que tinham uma só vela pequena e um autofalante miudinho, até os
armários de sala, com quatro grandes e caras válvulas de vidro ou mais, com
alto vácuo no seu interior, que corroborava para o alto preço. Mesmo os antigos
rádios transistorizados, feitos para terem conserto em caso de avaria, costumam
zombar do tempo e brindar o ouvinte com um som cristalino.
A
gloriosa e saudosa ERA DO RÁDIO foi o divisor de águas, entre o que restava do
século XIX, e o pleno século XX. Ela permitiu que qualquer povoado, nos rincões
mais distantes e esquecidos, recebesse notícias do mundo quase que em tempo
real. As ditaduras se esforçavam em censurar, não era à toa.
Foi
a época em que o racismo começou a ser mal visto pelas pessoas, mesmo as que
eram racistas, porque começou-se a descobrir que aquela voz ma-ra-vi-lho-sa,
aquelas palavras encantadoras, podiam ser de um negro ou um índio. É famoso o
caso em que cerca de setenta mocorongos da ku-kux-klan cercaram uma estação,
onde um negro apresentava um programa ao vivo, e levaram uma taca dos mais de
trezentos jovens que estavam no auditório. Eu queria muito ter uma máquina do
tempo, só para poder ver a cena.
Também
é famoso um dos maiores episódios de histeria coletiva da história recente, em 30 de Outubro de 1938. A Columbia Broadcasting Radio Network estava transmitindo a narração da novela “The War of The Worlds”, e foi
obrigada a desculpar-se. O narrador fez tudo com tamanho afã, foi tão
convincente, narrando como em boletins jornalísticos, que as pessoas realmente acreditaram que a Terra estava sendo
invadida por marcianos. Detalhes do episódio, ver aqui.
A capacidade de coesão social do rádio transformou-o
em um poderoso intermediador, a ponto de tradições terem nascido em sua função.
Uma delas, mais breve do que o desejável, foi a das Rainhas do Rádio, que teve
em Dalva de Oliveira, Marlene e Emilinha Borba suas mais gloriosas representantes.
Precisava ter voz para fazer vibrar aquele microphone rudimentar. Foi o melhor
embrião para os programas televisivos de auditório. Havia mais rivalidade entre marlenistas e emilistas, do que entre as duas.
Como os carros e toda a memorabilia, os rádios valvulados e os primeiros transistorizados, ficaram por muitos anos servindo apenas de ferro-velho. Os teimosos que insistiam em manter os seus, encontravam diviculdades para mantê-los, mas não se desfizeram e chegaram a acreditar, cada um, que eram os únicos no mundo a ter um daqueles. Mas havia muita gente que guardava os aparelhos, especialmente donos de velhas oficinas, onde os antigos donos deixavam os rádios, e de onde nunca mais buscavam. Vale a regra da sapataria: Se não buscar a encomenda até trinta dias depois do conserto, a peça será vendida para cobrir os custos. Só que quase ninguém queria saber daqueles rádios velhos, ainda mais com os novos, leves, econômicos e resistentes rádios transistor chegando às lojas. A obsolência foi rápida, a partir dos anos sessenta, mas a indústria de reposição e os teimosos, conseguiram preservar os rádios valvulados. O advento do rádio-relógio, embora no começo parecesse um capricho, já que já existiam despertadores, acabou por manter a cabeça do rádio acima da água, durante o tempestuoso ataque da televisão. E acordar com boa música, convenhamos, é muito melhor do que com uma campainha estridente, que incomodará a casa inteira.
Eis que o próprio algoz, torna-se aliado e, presto! Donos de rádios antigos começam a se conhecer em feiras de antiguidades, depois em notas de jornais, depois em curtas reportagens televisivas, mas a cousa explodiu mesmo com a internet. Qualquer um pode encontrar um modelo e ano que lhe agrade e caiba no seu bolso, tomando os devidos cuidados, é claro. Hoje, com o grosso do serviço feito, é fácil encontrar rádios antigos, especialmente nas feiras vintage e de antiguidades que proliferam pelo mundo. Também temos o fácil e perigoso negócio por sites de classificados, como o Mercado Livre. A maioria dos vendedores é honesta, mas entre estes, os malandros sabem se camuflar muito bem.
Dos antigos e charmosos rádios em estilo capelinha feitos de madeira entalhada, até os refinados de baquelite nacarada, dos anos cinqüenta e sessenta, a regra principal é: SÓ COMPRE SE FUNCIONAR NA SUA FRENTE. O que está nas photographias, pode muito bem ser outro producto de outro vendedor, ou até parde de um acervo que não está à venda. Só compre se puder ver, pegar, analisar, ouvir todas as estações que o aparelho puder receber. Um rádio valvulado de madeira, grande e em perfeitas condições, como o Zenith 4v31 dos anos trinta, da primeira ilustração, encosta facilmente nos dois mil reais. É o caso em que compensa mandar um conhecido que more perto is ver, ou tu mesmo viajar até lá. Na volta, não seja muquirana, pague extra por um bom seguro e excesso de bagagem, para trazer o aparelho de volta consigo. Há, por exemplo, o caso de relíquias que justificam o nome, como o Crosley Giant, da ilustração, que em perfeitas condições, não tem preço, vale literalmente uma pequena fortuna. Não se transporta um desses em um caminhão qualquer, ainda menos nas nossas estradas.
Desconfie e fuja de preços baixos, porque um rádio antigo raramente é barato, se não for roubado ou não estiver em más condições. Quanto à manutenção, embora seja difícil, é perfeitamente exeqüível, pois ainda se fabricam válvulas, basta ter a mesma paciência que se deve ter para escolher e negociar um rádio, que vai valorizar de sobremaneira qualquer decoração, seja doméstica ou institucional. Para quem quer apenas uma bela peça em estilo antigo, há muito que se fabricam aparelhos retrôs, que retratam todo o século XX. A maioria conta até com entrada USB, para pen-drive. Finalmente, para quem estiver em Goiânia, recomendo a rádio que eu ouço todos os dias, a Executiva FM, 92,7 mHz. Quem gosta do que eu escrevo, vai gostar dela, Só se pede paciência, porque a distribuição eleitoreira de concessões, tornou muito difícil a sintonia manual, mas compensa, ah, como compensa!
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P.S: Desculpem pelos erros, já foram corrigidos. E o tópico ainda tem o que render, será retomado em tempo oportuno.