Imaginem uma parede com furos estilizados, que
formariam padrões abstratos, geométricos e silvestres, não só dando um ar mai
sofisticado ao ambiente, mas também permitindo a difícil equação entre boa
ventilação e controle da incidência de luz. Se isso lhes parece ser uma
inovação recente de algum hipongo ambientalista utópico moderno do século XXI,
enganou-se. Enganou-se por quase cem anos, para ser preciso.
Nos loucos anos 1920, moradores de recife criaram os
elementos vazados, que levou como nome as iniciais dos nomes de cada um deles.
Foram eles o comerciante português Amadeu Oliveira Coimbra, o alemão Ernesto August Boeckmann e o brasileiro Antônio de Góis, que
deram à solidez do tijolo a leveza que inspirou arquitetos até fins dos anos
1960. A inspiração veio do muxarabi (Mashrabiya) das sacadas de países
árabes, que permitiam aos moradors verem o movimento sem serem vistos, pensado
para as mulheres não serem vistas pelos transeuntes. Lúcio Costa se encarregou de difundir a idéia. A
patente é de 1929. Brasília é particularmente rica em cobogós, por causa das
arquiteturas modernistas, mas nem todas oscarianas.
Inicialmente apenas tijolos vazados, os cobogós
ganharam outros materiais em sua formação, os mais caros e refinados são de
cerâmica vitrificava, com motivos altamente sofisticados, usados principalmente
para separação de ambientes internos. Com a variedade de materiais possíveis e
a quase infinita possibilidade de arquitetura interna do elemento, um cobogó
pode ser utilizado virtualmente em qualquer situação e não só como parede vazada,
mas também como balcão de cozinha ou bar, mureta de deck de piscina, sacadas,
suportes de banco de praças e jardins, enfim, é uma das idéias antigas mais
úteis e versáteis de todos os tempos. Estruturais ou decorativos, eles deveriam
ser padrão na construção civil nacional.
Uma utilidade é permitir que uma pessoa veja quem está
lá fora sem ser vista, por conta do eficaz controle de iluminação. Eu estudei
em escolas que tinham seus corredores abertos, mas em frente às portas das
salas de aula havia paredes de cobogós de cerâmica rústica, como as dos tijolos
furados. A ventilação era muito boa e o sol da tarde não incomodava. Vocês que
moram em regiões bem ventiladas, não imaginam o quanto isso é precioso em um
Estado de clima abafado e quente como Goiás.
A vantagem visual do cobogó é dar a impressão de que o
prédio não foi construído, mas cresceu e continua crescendo no lote, por conta
da aparência orgânica que os veios visuais de seus desenhos oferece. O prédio
parece estar vivo, compreendem? Algo como se a pessoa entrasse em um filme de
ficção científica dos anos 1950. Claro que lavar aquilo dá trabalho,
especialmente em regiões como a minha, onde a poeira do agronegócio e a fuligem
urbana se misturam, mas não é um bicho de sete cabeças.
O único risco é as crianças começarem a escalar os
elementos, e elas vão fazê-lo ao menor descuido dos pais. Então já sabem que a
beleza vintage desses elementos arquitetônicos tem suas armadilhas. Mas se não
for os cobogós, será a mesa, o armário da cozinha, uma árvore especialmente
atraente. Quem tiver gatos vai levar alguns sustos, mas nada a que não se possa
adaptar rapidamente.
Fonte: www.projeteja.com |
Uma forma barata de fazer cobogós é assentar tijolos
comuns com vãos entre si, pelo menos 2/3 do tamanho de cada tijolo, colocando
os da fileira superior sobre esses vãos e assim sucessivamente. Parece óbvio
demais? Experimente e surpreenda-se. Além do mais, cobogós não precisam ter
cara de tijolo! Para isso servem as boas tintas e vernizes de alto brilho
disponíveis no mercado. Um bom profissional de pintura consegue fazer até um
enorme elemento de cimento parecer cerâmico.
Fonte: baluarq.blogspot.com |
Ainda não entendi como os fabricantes de bloquinhos de
plástico ainda não se deram conta do quanto cobogós de encaixar seriam
atraentes para as crianças! Seriam como legos estilosos, que obviamente teriam
seu preço, devido à complexidade da produção, mas os petizes iriam amar!
Fonte: blogdatete.com |
Apesar do preconceito que vitima essa criação
legitimamente brasileira, por conta de outro preconceito que se tem contra
moradores de subúrbio, que utilizavam em larga escala os cobogós mais baratos
em suas fachadas, a indústria de elementos vazados conseguiu prosperar e hoje
tem uma vasta e diversificada oferta de productos. Alguns chegam a aprecer
porcelana, tamanho o refinamento de formas e vitrificação. As cores ainda são
aquelas típicas dos anos dourados, oscilando entre tons pastéis e as cores
vibrantes.
O mais absurdo desse preconceito é o facto de que
elementos vazados, tanto mais quanto mais belos e elaborados, reduzem problemas
e transtornos psicológicos como a ansiedade, a depressão e algumas fobias, como
a de lugares fechados. Eles eliminam de cara a sensação de sufocamento. Quer
mais? As crianças, novamente elas, têm sua curiosidade atiçada e brincam por
mais tempo dentro de casa, às vistas dos pais. Mais? Experimente ver uma
decoração natalina através de cobogós decorativos. Para quem ama o art déco, como
eu, os cobogós acentuam bastante suas características estéticas, técnicas e históricas.
Fonte: cgretalhos.blogspot.com |
E é claro, meus leitores mais ecológicos já devem ter vislumbrado
a possibilidade de jardins e hortas verticais, que cobogós estruturais, mais espessos
e porosos, permitem com muita facilidade, dando ainda mais aquele ar de futurismo
utópico dos anos dourados. Já os nerds de engenharia e mecânica não podem deixar
de notar as propriedades acústicas que uma parece dupla com um corredor interno
pode oferecer, algo muito útil para seu laboratório ou oficina não incomodar os
vizinhos e dissipar o ar viciado, e ainda dar aquele toque de estilo e aconchego
ao ambiente. Mais! Qualquer pedreiro experiente e minimamente bem informado pode produzir cobogós sob demanda na própria obra! Basta ter os moldes, que ele mesmo pode fazer com caixas comuns, tubos de PVC ou qualquer outro modelo de vazamento.
Fonte: www.gazetadopovo.com.br |
O cobogó é um elemento que nenhum vintagista, especialmente
o brasileiro, pode deixar de lado, muito menos por conta de preconceitos de novos
ricos deslumbrados. Apesar deles, o cobogó voltou a cair nas graças dos arquitetos,
agora por conta da economia de energia e peso que eles permitem, e este argumento
é indiferente aos modismos.
Apesar das imagens recentes, tudo aqui remete ao clássico e vanguardista experimentalismo dos anos de ouro. Quem conheceu casas e prédios modernos dos anos 1930 a 1970, vai reconhecer seus elementos aqui. Pois é, o Brasil já foi vanguarda em muitas áreas, inclusive na arquitetura.
Foi um sofrimento escolher entre tantas maravilhas feitas com cobogós, então escolhi alguns links para vocês mesmos pesquisarem os seus;
Referências:
Alguns fabricantes: