quarta-feira, 15 de abril de 2015

A era atômica

Casa de Sacramento, anos 1950
  Tudo começou com o Sputinik em 1957, um satélite soviético usado para testar a viabilidade da comunicação orbital, na realidade o primeiro satélite artificial do mundo, e também o pontapé oficial para a rivalidade entre americanos e soviéticos. Foi quando as tecnologias começaram a descer em profusão dos laboratórios para as residências, como conseqüência também o início da obsolescência rápida, que muitos chamam in-de-vi-da-men-te de "programada". Com mais investimentos, os projectos acadêmicos e militares baratearam rápido e os artigos oferecidos no ano passado, logo sofriam melhorias significativas, fartamente alardeadas e exageradas pelas agências publicitárias.

  Foi ainda no fim da guerra, porém, que o surto de um optimismo que beirava o absurdo tomou conta do mundo ocidental. Hélices começaram a ser substituídas por jactos, o forno de microondas levou a tecnologia dos radares para a cozinha, a televisão se popularizou de forma assustadora, o rádio estava cada vez menor e mais barato, os aparelhos de telephone ganhavam cores e formas que pareciam saídas de sonhos, e os carros, ah, os carros... Meus amigos, foram quase três décadas de êxtase. As pessoas se atiraram no sonho coletivo de paz e prosperidade como nunca na história, especialmente com a promessa (quebrada) de um governo mundial central, com o advento da ONU. As pessoas queriam, pelo menos em uma época de nossa história, construir um mundo melhor, não somente um futuro melhor para si e os seus.


  Os cientistas, engenheiros e técnicos que proporcionaram tudo isso, foram os garotos que cresceram lendo Buck Rogers e Flash Gordon, com toda a influência do art déco em suas infâncias, mas querendo se desvencilhar do pessimismo que marcou o período entre guerras. Idéias mirabolantes não faltaram. Um desejo comum entre eles era compensar o trauma da Segunda Guerra Mundial, porque muita gente pelo menos conhecia alguém que perdeu o pai, ou os pais no conflito. De certa forma eles conseguiram, até bem demais, lograr êxito. Criaram um conto de fadas científico e as pessoas não estavam preparadas para ele, nem para largar dele.

  De repente alguém, se deu conta de que os prédios não precisavam ser necessáriamente quadrados, que as pessoas não eram leite, para justificar o aproveitamento quase absoluto de cada milímetro cúbico de uma caixa, que o cidadão médio estava se entediando e até se deprimindo com os rigores da busca pela eficiência, precisava urgente viver em uma casa feita pra se viver, não apenas para se habitar. Alguns efeitos colaterais vieram, a fé cega na ciência fez surgir a máxima "Se é remédio, só faz bem", contrariando a sabedoria milenar "A diferença entre o remédio e o veneno, é a dose", e as pessoas passaram a comprar felicidade química na drogaria mais próxima, crentes de que a eliminação do sintoma resolveria tudo, e que nada de mal aconteceria. Foi nesta época também que a indústria do tabaco teve a confirmação de que o cigarro mata, e escondeu de todo mundo o quando pôde, para depois se fazer de vítima de ativistas mal intencionados.


  As formas passaram a ser inspiradas na ciência e na tecnologia de ponta. Os carros começaram a imitar os aviões, até com exageros, enquanto a arquitetura começou a se guiar pelos esboços de estações e colônias avançadas no espaço e em outros planetas. Casas com  a forma de módulos, que seriam encaixados de acordo com as necessidades da colônia, como tijolinhos lego, que são desta época, outras em forma dos prosaicos monitores de computador da época, outras ainda imitando discos voadores. Em alguns casos, como o aeroporto internacional de Los Angeles, a inspiração do arquiteto tornou-se não só um sucesso, como referência de uma tendência que ecoaria até meados dos catastróficos anos setenta, quando se descobriu qua uma usina nuclear poderia sim vazar e ameaçar tudo a centenas de quilômetros de distância. Descobriram que a ciência não era inofensiva.


  Escadarias residenciais externas, algumas sem corrimão, outras aparentando flutuar, dando o aspecto de leveza de uma nave espacial, que tem o estritamente necessário e usa materiais ultra resistentes para poderem ser usados em pequenas quantidades, poupando combustível e capacidade de carga. Isso se refletiu também na decoração. Tudo tinha inspiração espacial, de algo movido por energia atômica, ainda que os mecanismos internos fossem os centenários motores de indução ou mesmo de molas. Mas era necessário se preparar para morar no espaço, então tratava-se de se acostumar ao ambiente espacial... Ou o que se julgava ser um ambiente espacial plausível. Quem já viu vídeos da estação espacial internacional, sabe que há um caos aparente que em nada lembra a limpeza de linhas e formas daquela época.

Los Angeles International Airport

  Assim como estrelas e outros corpos celestes gigantescos, o microscópico também servia de referência, porque parecia qua finalmente a medicina estava dominando a doença; ledo e fatídico engano. Mesas de centro e móbiles em forma de paramecios, sofás assimétricos como uma ameba simplificada, combinando com estampas de forros e papéis de parede, que remetiam aos átomos e à radiação atômica, bem como aos gráficos complexos, mas aqui de forma simplificada e simétrica, dos aparelhos ultra sofisticados que começavam a infestar hospitais, oficinas, quartéis e filmes de ficção.

Atômico até na hora de comer

  Vendo nas revistas o que seriam as plataformas de lançamento de foguetes, completamente diferentes das reais, mas muito utilizadas no lançamento de mísseis, o mundo viu proliferar as fachadas e até construções inteiras baseadas neste conceito, que se na época era tão bonito quando pouco prático, com as águas convergindo para dentro, hoje seriam muito úteis na coleta de água da chuva. O facto é que a engenharia de materiais estava engatinhando, e o melhor daquela arquitetura só pode ser usufruído hoje, quando o clima é exactamente o contrário, as pessoas se entopem com entorpecentes mesmo sabendo que farão mal, grupos se unem por uma causa quase sempre só pensando NA MAIS TRISTE E DURA VERDADE em seus próprios umbigos, para garantir seus próprios caprichos, enfim... As pessoas nunca foram melhores, mas houve época em que tentaram ser, não para garantir seu direito, mas para serem melhores mesmo.

Sim, é o aconchegante quartinho atômico do bebê

  Se por um lado o delírio de um optimismo exacerbado trouxe uma decepção abrupta e uma depressão, que só cresce e alimenta as mazelas desta época, por outro financiou as bases de todos os absurdos avanços tecnológicos que mal conseguimos acompanhar, como um computador realmente melhor e mais poderoso surgir a cada seis meses ou antes, se bem que seria melhor e menos insano usar um avanço para aprimorar mais os seguintes e esperar ao menos um ano entre cada tablet novo.

Sua Majestade Imperial o Consumidor

  Tudo o que temos hoje, teve início naquelas três frenéticas e desgastantes décadas. Foi quando a válvula começou a dar lugar ao transístor, quando os plásticos se tornaram fortes e seguros o bastante para servirem de estrutura, quando os tecidos sintéticos começaram a ter qualidade apreciável, a usinagem começou a ficar realmente precisa... Na verdade, em muitos aspectos a mentalidade de então era mais moderna do que a vigente.


  De uma hora para a outra, os eletrodomésticos se tornaram baratos, compactos e práticos. Da noite para o dia dezenas de motores eléctricos invadiram as casas, os serviços domésticos ficaram mais fáceis e sobrou mais tempo para actividades pessoais, como ver I Love Lucy Show ou ir às compras. Ou ir às compras depois de ver as roupas e os comerciais do programa. Um dos problemas mais imediatos e longevos, é que tudo parecia ir tão bem, tudo parecia ser tão perfeito, que as pessoas se recriminavam se não parecessem plenamente felizes o tempo inteiro. Vem daí a mania de chamar de "opressora" a estética dos anos cinqüenta, mas quem diz isso só conhece ou quer mostrar metade da história, uma hora conto ela toda a vocês. Podem usar seus modelitos lindos e cinturados sem medo, não é crime.

Um dos melhores sites do gênero no mundo

  O turismo internacional se tornou fácil, principalmente para os americanos, mas fácil mesmo, a ponto de qualquer cidadão de classe média fazer viagens que seus pais só ouviam falar de magnatas, artistas de cinema e figurões do governo. O mundo tornou-se pequeno e a sede do espaço e do fundo do mar se tornou mais intensa, era preciso dar vazão a essa ansiedade e o cidadão estava disposto a pagar por isso. Nem tudo deu certo, hoje sabemos, mas a vontade coletiva de evoluir foi uma coisa linda de se ver.

1956 Ford Mystere concept car
  Para não dizer que tudo se perdeu, pelos avanços técnicos tardios, para quem quiser construir o futuro que o passado prometeu, já existem meios para isso. Se nos anos setenta um carro eléctrico não rodava mais de 80km nem com vento em popa, hoje 170km são uma autonomia básica, menos do que isso dificilmente vende. Os aços de alta liga, com super metais como Nióbio, Molibdênio, Titânio, Vanádio e o quase indestructível Tungstênio, custam uma fração do que naquela época, pode-se construir prédios com vãos livres e sacadas imensos. Dependendo do talento do engenheiro e da verba, dezenas de metros de uma varanda fixada apenas na base.


  Para quem se dispuser a construir seu sonho vintage, a era atômica pode se tornar realidade hoje. um modo simples de atomizar um ambiente, é pegar delgados losangos em tons terrosos e dispor ordenadamente ao longo de uma estante, por exemplo, e colocar um círculo excêntrico em cada um. Parece simples demais, mas o efeito é imediato e salta aos olhos. Não é difícil, basta digitar "atomic era" no google images, se preciso seguido do tema específico, e uma miríade de imagens belíssimas e sites interessantíssimos se abrirão ao seu dispor, fazendo da máquina um servo gentil e prestativo para seus amos de carne e osso, exactamente como queriam os criadores da era atômica.